Artigo publicado pelo Conjur. Por Lina Irano Friestino
Em outubro de 2025, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial nº 2.195.589/GO, reacendeu um debate importante sobre a extensão das responsabilidades dentro do casamento. A 3ª Turma do STJ reconheceu que o cônjuge do devedor pode ser incluído no polo passivo de uma execução de título extrajudicial, mesmo que não tenha assinado o contrato que deu origem à dívida, desde que esta tenha sido contraída durante o casamento sob o regime de comunhão parcial de bens.
A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, ao interpretar os artigos 1.643 e 1.644 do Código Civil, concluiu que, quando as dívidas forem feitas em benefício da economia doméstica obrigam ambos os cônjuges, visto que, existe uma presunção de consentimento entre eles. Ou seja, quando a obrigação nasce dentro do casamento e se presume voltada à vida comum, entende-se que ela alcança o casal como unidade familiar.
E ante essa presunção, o STJ reformou o entendimento das instâncias inferiores. Contudo, há uma ressalva na decisão, ser incluído no processo não significa ser automaticamente condenado a pagar a dívida inteira. Isso porque, a inclusão do cônjuge no processo serve para que ele seja citado, e ao participar do processo, tenha o direito de provar que aquela dívida não beneficiou a família ou que determinados bens não se comunicam no regime de bens adotado.
Esse ponto foi reforçado pela relatora ao esclarecer que a legitimidade para figurar no polo passivo não se confunde com a responsabilização patrimonial.
A análise sobre eventual penhora de bens do cônjuge permanece a cargo do juiz de origem que, respeitando o contraditório, irá avaliar quais bens podem ou não responder pela dívida. Assim, a decisão amplia a possibilidade de o credor alcançar bens que integram o patrimônio comum, mas, ao mesmo tempo, assegura ao cônjuge a oportunidade de afastar a constrição quando demonstrar que não houve proveito familiar.
O julgamento também altera a lógica tradicional do ônus da prova, visto que, entendeu o tribunal que a presunção de esforço comum recai sobre o casamento celebrado sob o regime da comunhão parcial. Portanto, caberá ao cônjuge incluído na ação provar que a obrigação assumida pelo cônjuge credor foi exclusivamente pessoal e alheia a economia doméstica.
Riscos compartilhados
A decisão do STJ no REsp 2.195.589/GO reforça algo que, no fundo, já estava escrito na lógica do regime de bens: casar sob comunhão parcial significa dividir não apenas sonhos e patrimônio, mas também riscos e responsabilidades. Ao admitir a inclusão do cônjuge do devedor no polo passivo da execução, o Tribunal reconheceu a solidariedade que marca as dívidas familiares, fortalece a efetividade da cobrança de créditos, mas, ao mesmo tempo, preserva o contraditório, o direito de defesa e a possibilidade concreta de afastar a responsabilização quando a dívida, de fato, não guarda relação com a entidade familiar.
Ou seja, para quem empresta, a decisão traz mais segurança. Para quem é casado, traz um alerta: dívida não é um tema individual dentro de um casamento regido pela comunhão parcial, é assunto de família.