É recorrente a análise sobre a possibilidade de pleitear indenização de ex-sócio que, após desligar-se da empresa, constituiu nova empresa para atuar no mesmo segmento e mercado. A motivação para o pedido de indenização é geralmente o fato de que o ex-sócio teria utilizado conhecimento, tecnologias, know-how da empresa no novo negócio para angariar clientela. A concorrência desleal é ato ilícito tipificado no artigo 195 da Lei 9.276/96.
Para que se configure a responsabilidade civil, prevista nos artigos 186 e 927, “caput” do Código Civil vigente, é necessário que haja provas suficientes dos atos praticados e dos prejuízos alegados.
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A questão é sensível e, na fase inicial de análise, recomenda-se verificar se há regulamentação no contrato social sobre a concorrência após o desligamento da empresa. Ora, exceto nos casos das empresas constituídas nos últimos anos – principalmente startups que possuem intenso capital intelectual desde a sua constituição – e nos casos de venda de participação societária para grandes grupos, a realidade da maioria das empresas brasileiras é formada por empreendedores que iniciaram os seus negócios por intuição, sem capital, sem a formalização de acordo de sócios. Por conseguinte, na maioria dos casos, a regra é que não haja a previsão de vedação à concorrência nos contratos sociais.
Há outros casos, principalmente no ramo de indústria, venda e prestação de serviços personalizados, ou seja, segmentos que não trabalham com commodities, que os sócios optam por não incluir cláusula de não concorrência por entenderem que é delicado impor ao cliente a manutenção do atendimento com a empresa no caso de desligamento do sócio que era o seu gestor.
A imposição ao cliente para permanecer atrelado definitivamente à sociedade criada originalmente pelo ex-sócio e sócios atuais fere o princípio da livre concorrência, previsto no artigo 170, inciso IV da Constituição Federal, e o princípio da autonomia privada, pois, a priori, ele é livre para contratar com quem melhor lhe prover.
Sobre esta exclusividade sobre a clientela, o Tribunal de Justiça de São Paulo[1] tem entendimento que é admissível que sejam convencionadas limitações à atuação de um ex-sócio no mesmo ramo de negócios em que atua a sociedade, mas estas limitações precisam ser expressas, compondo cláusulas do contrato social, como exceções ao princípio geral da liberdade de atuação profissional (artigo 5º, inciso XIII da Constituição Federal).
Com relação a migração da clientela, que é o fato mais recorrente de pleitos indenizatórios, o Tribunal de Justiça tem entendimento que a atuação no mesmo segmento e mercado por si só não configuraria qualquer ilícito, sendo consequência natural do ex-sócio a atuação num mesmo âmbito de mercado, prestando uma mesma espécie de serviço[2].
Concorrência desleal ou concorrência leal
Superada esta fase inicial, recomenda-se analisar se os atos praticados pelo ex-sócio identificam a concorrência leal ou a concorrência desleal, pois, como mencionado acima, o fato do ex-sócio ter constituído nova sociedade empresarial no mesmo ramo de atividade não implica por si só concorrência desleal[3].
Contudo, o Tribunal de Justiça tem entendimento que, quando se configura desvio de clientela mediante a captação de clientes visando a extinção de contratos ainda vigentes e a celebração de novos contratos com sociedade controlada pelo ex-sócio, pode ser caracterizada a concorrência desleal[4].
Por outro lado, o entendimento do Tribunal de Justiça é se o objeto da contratação dos clientes com a nova sociedade do ex-sócio não era o mesmo do contrato da sociedade antiga, pode não ser configurada a prática de concorrência desleal. Neste caso analisado pelo Tribunal (prestação de serviços de hemoterapia para um hospital), a nova prestação de serviços foi menor, com redução de custos para o cliente e alteração na forma da prestação de serviços que não configurou prática de concorrência desleal porque a rescisão do contrato originário não se deu por ato ilícito, mas sim devido a uma oferta de serviços mais vantajosa para o hospital[5].
Portanto, na análise de casos de possível prática de concorrência desleal por ex-sócios, recomenda-se, nos termos dos ensinamentos do Prof. Fábio Ulhoa Coelho[6], analisar se se os meios utilizados para angariar clientes e consumidores pelo ex-sócio são idôneos ou inidôneos, pois, analisando-se os recursos utilizados será possível identificar se há ou não deslealdade competitiva.
Por Juliana Assolari
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[1] TJSP, Ap. 1003278-50.2016.8.26.0157, Rel. Fontes Barbosa, j. 19.8.2019
[2] TJSP, Ap. 004382391.2005.8.26.0602, Rel. Des. Grava Brasil, j. 25.9.2013
[3] TJSP, Ap. 1013772-58.2017.8.26.0344, Rel. Ricardo Negrão, 14.06.2019
[4] TJSP, Ap. 1026026-82.2018.8.26.0100, Rel. Fontes Barbosa, j. 06.6.2019
[5] TJSP, Ap. 1029672.08.2015.8.26.0100, Rel. Azuma Nishi, j. 25.9.2019
[6] Curso de Direito Comercial, vol. 1, 21ª ed. São Paulo: RT, 2017, p. 2019