Foi aprovado no último dia 14, na Corte Especial do Tribunal de Justiça de Pernambuco, de forma unânime, o Provimento 06/2019, editado pela Corregedoria Geral da Justiça do TJPE, que possibilita o chamado “Divórcio Impositivo”, que pode ser feito em cartório de registro civil por apenas um dos cônjuges, independente da presença ou anuência do outro.
O documento foi assinado pelo corregedor-geral em exercício, desembargador Jones Figueirêdo Alves, presidente da Comissão de Magistrados de Família do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.
Com este provimento, não é mais necessário a judicialização do divórcio em caso de vontade unilateral. O pedido poderá ser realizado no cartório de registro civil onde foi registrado o casamento.
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Após dar entrada, o cônjuge será notificado para fins de prévio conhecimento da averbação, que será realizada no prazo de cinco dias após a notificação. Para dar entrada, o interessado deverá ser assistido por advogado ou defensor público.
Para realizar o divórcio unilateral, é necessário que o casal não tenha filhos ou não tenha nascituro ou filhos de menor idade ou incapazes. Por ser um ato unilateral, entende-se que o requerente optou em partilhar, posteriormente, os bens, caso existam. Outras questões, como alimentos ou medidas protetivas, também deverão ser tratadas em juízo competentes.
De acordo com Figueirêdo, o provimento traz muitos benefícios. “Vai ajudar e proteger a mulher agredida que não dispõe de um divórcio imediato. Penso na desjudicialização absoluta do divórcio por se tratar de um direito potestativo”, afirma.
Já Rodrigo da Cunha Pereira, presidente nacional do IBDFAM, enfatiza que o provimento vem reforçar a máxima da substituição do discurso da culpa pelo da responsabilidade, espelhando a interpretação finalística da Emenda Constitucional nº 66/2010 – elaborada pelo IBDFAM – que facilitou o processo do divórcio.
“Vejo como avanço a possibilidade de qualquer dos cônjuges requerer diretamente no Registro Civil o divórcio, pois preservou o espírito da EC nº 66/2010 cujo o propósito é a simplificação, facilitação, menor intervenção estatal, liberdade e maior autonomia privada, além de não se discutir a culpa, acabando, via de consequência, com prazos para decretação do divórcio”, declara.
O advogado lembra que o divórcio foi introduzido no Brasil, em 1977, em um contexto histórico-político-social em que a liberdade dos sujeitos é a expressão que deve dar o comando, já que a família se despatrimonializou, perdeu sua rígida hierarquia e deixou de ser essencialmente um núcleo econômico e de reprodução.
“Com o advento da EC nº 66/2010, que instituiu o divórcio direto, simplificado ficou esse procedimento, impondo um direito potestativo, ou seja, que não cabe poder dever e, sim, poder de sujeição. Basta a vontade de um deles para que o divórcio seja decretado, vez que não se discute mais culpa pelo fim do casamento. Talvez o desejo não seja mesmo para sempre em alguns relacionamentos. A efetivação de separação pela via do divórcio é um remédio e um ritual necessário. Não há culpado ou inocente, vilão ou herói”, destaca.
Divórcio Impositivo – sem burocracia
Para o presidente da Comissão de Advogados de Família do IBDFAM, Marcelo Truzzi, o provimento é uma iniciativa extremamente positiva e válida. Ele lembra que há uma década escreveu a respeito sugerindo semelhante solução para as hipóteses de divórcio indireto. Naquela época, anterior à Emenda Constitucional 66/2010, não cabia qualquer discussão quanto ao direito da parte em obter o divórcio após o prazo ânuo da separação. Preenchido o lapso temporal, era direito da parte obter o divórcio e, por isso, não fazia o menor sentido obrigá-la a ir a juízo apenas para chancelar seu desejo. O que agora pode ser diferente com o provimento.
“Era burocrático, demorado e desnecessariamente oneroso. Entendia ser muito mais razoável uma providência administrativa junto ao Cartório de Registro Civil, onde seria verificado o preenchimento daquele prazo ânuo, com consequente averbação do divórcio, após prévia comunicação do outro cônjuge. Com a Emenda 66/2010, parece-se acertado o direcionamento da corregedoria do TJPE, preenchidos os requisitos elencados no próprio provimento”, diz.
Truzzi ressalta que a medida é desburocratizante, rápida e menos onerosa. No entanto, ele destaca dois pontos negativos. “Primeiro entendo desnecessária a assistência de advogado nesta fase preliminar. Acaba onerando a parte, impondo uma assistência jurídica de questionável utilidade, afinal, nesta etapa, a parte apenas está formulando o pedido de divórcio, sem decidir questões secundárias, para as quais, aí sim, a orientação de um advogado fará toda a diferença”, enfatiza.
No segundo ponto, ele questiona a constitucionalidade do provimento. “O Código Civil estabelece textualmente as formas do divórcio, judicial e extrajudicial, este último por escritura pública, não fazendo referência a esta modalidade administrativa, em pedido dirigido ao Oficial do Cartório de Registro Civil. Parece-me que seria necessário a lei disciplinando a questão. Em que pese este ponto, trata-se de uma iniciativa que desburocratiza, facilita e desonera, e que, sobretudo, tutela de forma rápida e eficaz o direito individual da pessoa não permanecer casada”, afirma.
Outro posicionamento
Presidente da Comissão Notarial e Registral do IBDFAM, Priscila Agapito tem uma outra visão sobre o provimento, discordando da viabilidade do mesmo. “Com o devido respeito, há falta de fundamento jurídico para a previsão normativa do denominado ‘divórcio potestativo’ particular. A desburocratização das questões que envolvem a família teve seu marco inicial com a publicação da Lei 11.441, no ano de 2007. A lei alterou o Código de Processo Civil vigente à época, incluindo um artigo especificamente para atribuir nova competência aos tabeliães de notas, que passaram a lavrar escrituras públicas de separação e divórcio. No Código de Processo Civil atual tal disposição se encontra no artigo 733, aplicando-se, também, à dissolução da união estável”, destaca.
Apesar de concordar ser o divórcio um direito potestativo, a tabeliã enfatiza que a lei só prevê duas maneiras de se alcançá-lo: ou optativamente por escritura pública, se ambos os cônjuges estiverem de acordo, ou obrigatoriamente pela via judicial, se houver pretensão resistida. A lavratura da escritura pública, por sua vez, ela destaca que é competência exclusiva do notário, conforme determina o art. 7º da mesma Lei 8.935/94: “Art. 7º Aos tabeliães de notas compete com exclusividade: I – lavrar escrituras e procurações, públicas”.
“O provimento confunde a função do notário com a atividade do registrador civil das pessoas naturais. A lei 8.935/94 é clara ao ditar que cabe ao notário (ou tabelião de notas) formalizar a vontade das partes. Essa lei federal regulamenta o artigo 236 da Constituição Federal e estabelece a competência do tabelião de notas, e em seu art. 6º dispõe: ‘Art. 6º Aos notários compete: I – formalizar juridicamente a vontade das partes; II – intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade, autorizando a redação ou redigindo os instrumentos adequados, conservando os originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo; III – autenticar fatos’”, declara.
Para ela, quem cria ou lavra o ato jurídico é o tabelião de notas. Ao registrador civil das pessoas naturais, cabe dar publicidade dos atos ou fatos jurídicos pré-existentes, como por exemplo: nascimento já ocorrido, (cujo fato é comprovado pela Declaração de Nascido Vivo), casamento celebrado pelo ente estatal (Juiz de Paz, ou juiz de casamentos) e óbitos (fundados nas declarações de óbitos). Ela ressalta que o registrador civil confere, arquiva e dá publicidade, mas não intervém ou formaliza a vontade das partes, essa atividade é exclusiva do tabelião de notas.
“A lei 11.441/07 que cuidou da desburocratização dos procedimentos de separação, divórcio e inventário já determinou que há necessidade de intervenção do ente estatal para a formalização de vontade e esclareceu transparentemente que se trata ou do juiz ou do notário, ambos imparciais. É requisito de validade. A meu modesto entender, não pode um provimento mudar, alterar uma regra legal, suprimindo a presença do juiz ou notário, banalizando a solenidade da dissolvição do casamento. O registrador civil não tem atribuição para realizar o casamento, mas sim, o juiz de paz. O registrador apenas reduz a termo o que presenciou, dando publicidade erga omnes àquele fato jurídico”, reitera.
Priscila destaca que “é imprescindível manterem-se as bases sólidas de cada instituição, para que não se fragilize a atuação de cada ente estatal, bem como a segurança jurídica social como um todo. A normal atual já é mais que suficiente para desburocratizar os procedimentos de divórcio, tanto que em 11 anos de sua existência, mais de dois milhões de processos deixaram de ser impetrados, com economia ao Erário de estimadamente dois bilhões de reais. Toda a sociedade já se acostumou com o papel do notário e do advogado na sistemática atual, modificar isso, sem base legal, poderia afetar uma estrutura já fortemente edificada”.
A tabeliã finaliza: “Concluímos, portanto, que embora muito bem-intencionado o provimento, ele foi precipitado porque atropelou pilares legais, não podendo prosperar sem os indispensáveis ajustes”.
Fonte: Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM