No início deste ano, os investidores foram surpreendidos negativamente pela notícia de fato relevante de inconsistências contábeis na Americanas. As instituições financeiras, sem ainda entender o impacto destas inconsistências, negaram pedido de desconto e renegociação das dívidas, ocasionando o derretimento do valor das ações e o pedido de medida judicial protetiva pela empresa para evitar bloqueios de credores em seus ativos.
A partir do anúncio deste fato relevante, iniciou-se uma guerra nos Tribunais com os credores sedentos por produzir provas de que as noticiadas inconsistências, na verdade, são fraudes e, portanto, a alta direção e os acionistas envolvidos devem ser responsabilizados pelos atos que lesionaram os credores.
Certamente, muitas águas vão rolar até se desvendar todo o problema, passando pelos responsáveis pela perpetuação das inconsistências até a punição dos envolvidos pelos agentes do mercado.
Mas, o que as empresas com gestão familiar podem aprender com esse evento já que a trajetória de crescimento sustentável da empresa familiar, o caminho rumo à profissionalização não pode ser evitado? E que a profissionalização exige, dentre outras, a contratação de executivos não proprietários com a migração dos acionistas para o Conselho Consultivo ou de Administração.
Um aprendizado às empresas familiares que pode ser destacado é o realinhamento periódico dos interesses entre proprietários e gestores para evitar conflito de interesses. E qual é o potencial conflito de interesses entre os proprietários e os gestores?
Enquanto os proprietários desejam a maximização do valor da empresa e a sua perpetuação ao longo do tempo, os gestores desejam maximizar sua remuneração e benefícios. E, nessa diversidade de interesses, os gestores podem não estar alinhados com as iniciativas de criação de valor para a empresa e seu crescimento sustentável no longo prazo.
Na (re) avaliação dos interesses e, principalmente, dos objetivos dos gestores na empresa familiar que está em processo de profissionalização, é recomendável que a família proprietária, que ainda não estão maduras quanto às boas práticas de governança, avalie os aspectos emocionais que permeiam as relações e que impactam na condução dos negócios.
Alguns exemplos de situações comuns nas empresas familiares que impactam na gestão das empresas familiares são:
- presença marcante de acionistas na gestão e centralização do poder de decisão pelos acionistas. Se o “dono acaba resolvendo do seu jeito”, os gestores poderão deixar de tomar decisões necessárias por insegurança de que a decisão será desaprovada pelos acionistas;
- outro efeito da presença dos acionistas na gestão é que os gestores poderão moldar seus atos com comportamentos vistos como adequados para os acionistas em detrimento do benefício para o negócio. Ou seja, terão o comportamento que agrada a família proprietária que nem sempre poderá ser o melhor para o negócio;
- ausência de reuniões claras e precisas entre os gestores e os acionistas. Reuniões sem foco geram assimetria de informações. Com informações incompletas, aumentam as chances de as decisões tomadas pelos gestores serem equivocadas;
- se as reuniões entre os acionistas e gestores forem informais, sem a formalização das decisões e orientações para os gestores, a ausência de registros das decisões ocasionam não apenas a não implementação de decisões, mas também, e mais grave, a não avaliação dos resultados dos atos de gestão dos gestores no negócio.
Sobre as situações acima destacadas que comumente existirem nas empresas familiares, é importante revisitar o contrato celebrado com os gestores periodicamente para revisar as premissas da contratação, os direitos e deveres e, principalmente, os objetivos e a remuneração variável.
Também é importante implementar regras de governança com a implementação de comitês executivos nas áreas de gestão, finanças, inovação e outras, com a formalização das reuniões em atas para facilitar o controle das atividades realizadas e o retorno das ações e/ou mudanças implementadas.
O alinhamento entre o papel dos gestores e os interesses da família proprietária é essencial para manter os diferenciais competitivos da empresa familiar, tais como: foco estratégico de longo prazo, capacidade de resposta rápida às mudanças nas circunstâncias do mercado, flexibilidade para aproveitar oportunidades e know how no core business da empresa.
Logo, o caso Americanas ensina às empresas familiares que a profissionalização requer primeiramente a clareza da família quanto aos seus “objetivos de dono” no curto, médio e longo prazo. E, segundo, o acompanhamento de especialistas jurídicos e de negócios que auxiliem os proprietários a formalizarem os aspectos tangíveis e mensuráveis do seu negócio para sua equipe de gestão.
Publicado primeiramente no perfil de Juliana Assolari, sócia-proprietária do Lassori Advogados.